O lago da lua
Aceso está o fogo
prontas as mãos
o dia parou a sua lenta marcha
de mergulhar na noite.
As mãos criam na água
uma pele nova,
panos brancos
uma panela a ferver
mais a faca de cortar
Uma dor fina
a marcar os intervalos de tempo
vinte cabaças deleite
que o vento trabalha manteiga
a lua pousada na pedra de afiar.
Uma mulher oferece à noite
o silêncio aberto
de um grito
sem som nem gesto
apenas o silêncio aberto assim ao grito
solto ao intervalo das lágrimas
As velhas desfiam uma lenta memória
que acende a noite de palavras
depois aquecem as mãos de semear fogueiras.
Uma mulher arde
no fogo de uma dor fria
igual a todas as dores
maior que todas as dores.
Esta mulher arde
no meio da noite perdida
colhendo o rio
enquanto as crianças dormem
seus pequenos sonhos de leite.
( Ana Paula Tavares)
Conheça um pouco da autora:
Ana Paula Tavares nasceu em 1952 na Huíla, sul de Angola, além de historiadora e mestre em Literatura Africanas de Língua Portuguesa é uma das maiores poetas africanas que existe. Suas poesias possuem um lirismo singular, captam uma subjetividade das situações cotidianas que aliada a presença frequente de sinestesia, acaba por aguçar nossa percepção e compreensão de um texto impecável.